quarta-feira, 28 de julho de 2010

A PARADIPLOMACIA FINANCEIRA NO CEARÁ, 1990-2009:

A PARADIPLOMACIA FINANCEIRA NO CEARÁ, 1990-2009:
RESULTADOS E LIMITAÇÕES
(*) José Nelson Bessa Maia

Após décadas de atraso e estagnação, o Ceará começou a mudar a partir do choque fiscal de 1987 e da manutenção da responsabilidade fiscal como premissa da gestão pública. Por meio de vários governos estaduais austeros e pró-ativos, o Ceará passou a investir no seu próprio desenvolvimento e tornou-se um modelo para entes subnacionais no Brasil e noutros países em desenvolvimento, fato reconhecido pela imprensa (revista The Economist) e universidades estrangeiras (MIT) e por organismos internacionais como o Banco Mundial e o BID.

A perseverança na austeridade fiscal reduziu os gastos de pessoal no total das despesas do Estado, liberando recursos orçamentários para aplicar em investimentos e pagar pontualmente o serviço da dívida (ainda em níveis modestos em relação ao total das receitas). Assim, a geração de superávits primários (receitas menos despesas correntes exclusive juros da dívida) e a capacidade de gestão em projetos formaram as bases para estabelecer a credibilidade do Estado em níveis que lhe deram acesso a abundantes recursos externos para financiar a formação bruta de capital fixo, a única garantia do crescimento sustentado da renda e do emprego.

O sucesso alcançado pela reforma do Estado no Ceará levou a uma sólida paradiplomacia financeira, ou seja, a capacidade de iniciativa e autonomia de um governo subnacional em negociar diretamente a captação de créditos de médio e longo prazos ofertados por fontes oficiais internacionais e/ou governamentais estrangeiras, a exemplo do Banco Mundial e BID e de agências bilaterais da Alemanha (KfW) e do Japão (JBIC/JICA), com vistas a reforçar o financiamento de investimentos em infraestrutura física e social.

De fato, segundo dados da Secretaria de Assuntos Internacionais (SEAIN), do Ministério do Planejamento (MPOG), elaborados pelo autor deste artigo, de 1990 a 2009, o Ceará contratou diretamente (com aval da União) 25 operações de crédito externo no valor total de US$ 2,0 bilhões (ou 9,5% do total dos Estados brasileiros), aportando mais US$ 1,21 bilhão em contrapartida local. Com isso consolidou-se como o terceiro maior Estado da federação na captação de empréstimos externos, só perdendo para São Paulo (37 operações de crédito e US$ 5,78 bilhões captados), quase empatando com Minas Gerais (14 operações e US$ 2,04 bilhões), e deixando para trás o Estado da Bahia (21 operações e US$ 1865,8 milhões captados). Sem dúvida esse resultado impressiona para uma unidade federativa que responde apenas por 1,93% do PIB nacional (conforme o IBGE, 2007).

Dos US$ 2,0 bilhões de empréstimos captados pelo Governo cearense nos últimos 20 anos, os três governos de Tasso Jereissati contrataram 11 operações, totalizando o aporte de US$ 656,14 milhões ou 33% do total. A gestão Ciro Gomes tomou três operações e US$ 339,2 milhões (16,9% do total), ao passo que a gestão Lúcio Alcântara contratou quatro operações e US$ 295,3 milhões (14,8% do total). A atual gestão Cid Gomes, aproveitando-se do processo de preparação de projetos de financiamento externo que vinha do governo anterior (o chamado pipeline no jargão dos organismos internacionais), conseguiu em três anos e meio contratar sete operações de crédito e US$ 710,6 milhões (35,5% do total), os quais deverão ser gastos ao longo dos próximos quatro anos.

Em que pese à contratação de tantos recursos externos pela atual gestão de governo no Ceará e da situação fiscal confortável do Estado, parece aos analistas que observam o Ceará de fora, que a economia cearense se encontra em certa fadiga, quase parando. Após duas décadas de bem-sucedida estratégia de modernização e progresso material e social, o Ceará regride a formas pretéritas de atuação à espera das iniciativas do Governo Federal. Urge, portanto, aos cearenses rever esse estado de aparente apatia e buscar uma liderança política que retome a estratégia própria de desenvolvimento, inclusive com ênfase na internacionalização de sua economia, interrompida desde 2007, pelo injustificado desmantelamento de seu aparato de paradiplomacia comercial.

A paradiplomacia financeira por si mesma não basta. Ela deve vir complementada com a promoção agressiva das exportações e do turismo estrangeiro, a atração de investimentos diretos externos e o melhor aproveitamento da posição geográfica estratégica do Ceará nas rotas entre a Europa, a América Latina e a África. Muda de novo Ceará !

(*) José Nelson Bessa Maia é economista, mestre em Economia pela Universidade de Brasília (UnB), ex-assessor internacional do Governo do Ceará (1995-2006) e doutorando de relações internacionais na UnB. E-mail: nbessa@unb.br.

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